A evolução natural e paulatina da medicina, sem dúvida, é uma das grandes conquistas cientificas da humanidade ao longo dos tempos. De 1940 para os dias atuais, a expectativa de vida aumentou em mais de 30 anos¹. Muito disso, mas não só, se deve à adoção de técnicas menos invasivas, melhores condições de tratamento, medicamentos mais adequados e com menos efeitos colaterais.
Não haveria nenhuma razão para preocupação do homem moderno a respeito. Contudo, mencionada evolução, em casos bastante distintos, colabora, eventualmente, para a ocorrência de casos em que a qualidade de sobrevida humana pode ser questionável, como por exemplo, nos casos de vida em estado vegetativo.
A eutanásia é conhecida como a abreviação da vida de um cidadão a fim de que se possa cessar o sofrimento pessoal em razão de uma enfermidade incurável. A Constituição Federal não permite tal prática, ao contrário, a veda expressamente. Contudo, é crescente o entender jurídico de que o direito à vida garantido pela Constituição Pátria seria somente aplicado se esta vida fosse digna, passando-se a considerar, então, quando não o for, a possibilidade de haver a morte digna.
Com base nisso, afim de não configurar a adoção da eutanásia e como forma de se atender a um tratamento mais humano, algumas pessoas já adotam as chamadas “diretivas antecipadas de vontade” ou “testamento vital” que nada mais são do que manifestações deixadas em vida indicando como determinada pessoa gostaria de ser tratada em caso de passar a viver em estado vegetativo ou com enfermidade sem cura e de grande sofrimento. A adoção dessas “diretivas” foram aprovadas pelo Conselho Federal de Medicina do Brasil em 2012 por meio da resolução CFM 1995/2012 e são denominadas de ortotanásia também conhecida por “cuidados paliativos”.
Nesse caso, não há intervenção do médico para que o paciente tenha a sua vida abreviada como na eutanásia, mas simplesmente tratamentos ineficazes e incapazes de modificar um estado de saúde comprometido deixam de ser adotados para que a vida siga o seu caminho natural.
O Brasil não possui Lei federal específica para a validade das diretivas antecipadas o que pode tornar a sua aplicação ainda questionável mas, por se tratar de manifestação da vontade do indivíduo, tal ato é apoiado pela Constituição Federal em seu artigo 5º., inciso III que proíbe o tratamento cruel, desumano e degradante.
Apesar de ser registrada em um instrumento simples, até o momento, sem necessidade de registro em cartório, através do qual o indivíduo declara antecipadamente, quais seriam os tratamentos aos quais se submeteria e a quais, não, se vier a se encontrar incapacitado de se expressar, até pelo fato de se tratar de um assunto de extrema complexidade e que necessita de uma certa dose de previsão do futuro por parte do declarante, pouca prática produziu até o momento.
Como alternativa para aqueles que desejam manifestar a vontade na questão, há a possibilidade de o individuo outorgar a denominada “procuração de cuidados de saúde” instrumento através do qual outorgará a outra pessoa, em regra da família, poderes para que decida em nome do paciente em estado terminal e sem capacidade de decidir e expressar a própria vontade, como será conduzido o seu tratamento dentro do conceito da ortotanásia.
A questão é controversa mas é importante que a sociedade atente para o fato de que o conceito de vida digna não pode desconsiderar a possibilidade de se optar por se ter uma morte digna, desde que previamente assentada pelo indivíduo em manifestação de vontade expressa, que deverá ser respeitada pelos profissionais de saúde nos termos expressos da Lei.
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Sergio Americo Bellangero é sócio da Thomazinho, Monteiro, Bellangero e Jorge Advogados Associados e especializado em direito civil e processual civil.