O novo marco legal das startups trouxe inúmeras inovações, mas será que ele realmente dá a segurança jurídica necessária para o investimento em startups?

novo marco legal das startups

A Lei Complementar n.º 182, que institui o marco legal das startups e do empreendedorismo inovador no Brasil, foi publicada no Diário Oficial da União do último dia 02 de junho.

O documento traz alterações relevantes às leis societárias no sentido de facilitar o investimento em empresas que proponham soluções inovadoras e com grande potencial econômico, inclusive em matérias de interesse da administração pública. Apesar dos avanços, que não são poucos, o texto aprovado tem sofrido críticas pelos vetos ao texto originalmente proposto e pela timidez do conteúdo, que ainda não atende a todos os anseios do mercado.

A nova lei procura fomentar a oferta de capital para o empreendedorismo inovador ao conceder proteção aos investidores, que passam a contar com a possibilidade de fazer aportes sem assumir a condição de sócios, livrando-se dos riscos do negócio. Paralelamente, cria um atrativo àqueles investimentos ao disciplinar a contratação das startups por entes governamentais, gerando expectativa de contratações vultosas com o Poder Público.

Os critérios objetivos de classificação das iniciativas que se beneficiarão das novas regras são a exigência de que as empresas tenham até 10 anos de criação (inscrição no CNPJ) e receita bruta de até R$ 16 milhões no ano-calendário anterior, ou 1/12 desse valor multiplicado pelos meses de atividade no ano anterior, para empresas recém-criadas. 

Além disso, exige-se pelo menos um dos seguintes requisitos: que declarem, em seus atos constitutivos ou de alteração, que são empresas inovadoras, ou que se enquadram no regime especial Inova Simples, que corresponde a um rito sumário de abertura e fechamento de empresas de modo simplificado, previsto na Lei Complementar n.º 123.

O critério de enquadramento como startup é, em certa medida, subjetivo. A lei se refere a empresas cujas atividades se caracterizem pela inovação – seja no modelo de negócios ou nas características dos produtos ou serviços ofertados. As empresas deverão fazer constar de seus atos constitutivos, ou de alteração, que adotam modelos de negócios inovadores para a geração de produtos ou serviços, nos termos do artigo 2º, IV, da Lei n.º 10.973, o qual define como inovação a introdução de novidade ou aperfeiçoamento no ambiente produtivo e social que resulte em novos produtos, serviços ou processos ou que compreenda a agregação de novas funcionalidades ou características a produto, serviço ou processo já existente que possa resultar em melhorias e em efetivo ganho de qualidade ou desempenho.

A atração de investimentos pode ocorrer de forma que resulte ou não em participação no capital social. Para fins do disposto na Lei Complementar n.º 182, não se considera como parte do capital o aporte feito por contratos de opção de subscrição ou compra de participações, debêntures ou mútuos conversíveis em participação societária, arranjos feitos com a utilização de sociedades em conta de participação entre o investidor e a empresa ou contratos de investimento-anjo (instituídos pela Lei Complementar n.º 123), além de outras modalidades similares. 

A grande vantagem desse modelo de negócios e razão pela qual se espera que estimule a criação e o crescimento de novas empresas é a garantia, ao investidor, de não responder por dívidas da empresa investida, inclusive em fase de recuperação judicial, não se lhe aplicando certas normas específicas do Código Civil, da CLT e do Código Tributário Nacional e outras que dispõem sobre a desconsideração da personalidade jurídica. 

Para tanto, deve-se observar a vedação a que o investidor possua qualquer participação na gerência ou administração da empresa investida. Além disso, as proteções, naturalmente, não se aplicam em caso de dolo, fraude ou simulação com a participação do investidor.

Outra medida implementada pela Lei Complementar n.º 182 é a facilitação do ambiente regulatório com relação a certas atividades, conforme venha a ser determinado pelas autoridades competentes, que estabelecerão os limites aplicáveis. A isto se deu o nome de sandbox regulatório, isto é, um conjunto de medidas excepcionais e simplificadas para que certas pessoas jurídicas possam receber autorização temporária dos órgãos encarregados da regulamentação setorial, com o objetivo de contribuir para o desenvolvimento de novos modelos de negócios ou tecnologias experimentais.

Finalmente, a lei determina a instituição de regras próprias para a contratação de startups pelo Estado, seja para resolver demandas públicas que possam se beneficiar de novas tecnologias ou para estimular a inovação com o incentivo do poder de comprados governos. Destaca-se o fato de que passa a ser possível a contratação de empresas novas, isto é, com pouco tempo de constituição, na contratação com o Poder Público, quando caracterizadas como startups.

Nesse sentido foi criada uma modalidade nova de licitação, permitindo-se que o Estado descreva sucintamente o problema a ser resolvido ou superado, dispensada a descrição técnica dos serviços a serem prestados, o que caberá aos licitantes propor. O edital de licitação poderá constar de sítio eletrônico do licitante ou ser publicado no diário oficial do ente federativo em questão, admitida a publicação com um mínimo de 30 dias de antecedência, e o julgamento será feito por uma comissão da qual participará um professor de instituição pública de ensino na área relacionada ao tema da contratação. 

Como resultado desse processo licitatório, poderá ser celebrado um contrato, com certas características próprias que o enquadram como “Contrato Público para Solução Inovadora” (CPSI) e incluem a determinação de metas a serem atingidas e critérios de aferição para que se possa validar o êxito da solução inovadora. O valor máximo a ser pago por um CPSI será de R$ 1.6 milhão, e o seu prazo é limitado a um ano, prorrogável por igual período. Esse contrato poderá ser convertido num contrato de fornecimento após o fim do prazo inicial, desta vez por dois anos, com possível prorrogação por igual período.

O texto sofre diversas críticas, especialmente no tratamento tributário das startups, já que elas não foram agraciadas com vantagens que poderiam torná-las muito mais atrativas. Por exemplo, na forma de sociedades anônimas – modelo que permite a estruturação de governança mais robusta, e por isso desejável em muitos casos – não se pode optar pelo Simples Nacional, e a Lei Complementar não mudou esta situação, assim como não alterou o impedimento à participação de estrangeiros para empresas que adotem o Simples.

Também houve vetos presidenciais frustrantes aos investidores no tocante ao ganho de capital do investidor-anjo: sob a alegação de gerar uma renúncia fiscal, foi reprovada a proposta de se poder computar as perdas em um aporte em startups ou prejuízos acumulados na fase de investimento com ganhos em outras iniciativas similares. Outro veto relevante foi feito sobre a previsão de que a Comissão de Valores Mobiliários (CVM) regulamentasse o acesso facilitado das startups ao mercado de capitais.

Um tema que foi proposto, mas saiu de pauta na tramitação do projeto foi a regulamentação das stock options, que poderiam ter sido caracterizadas como de natureza não trabalhista. Essas opções de compra de ações, comumente outorgada a sócios, administradores e outros funcionários, frequentemente recebe na Justiça o tratamento de remuneração e traz consigo todas as implicações trabalhistas que a encarecem, ao invés de ser considerada como de natureza estritamente mercantil. Perdeu-se aí a oportunidade de torná-las mais seguras aos olhos dos investidores.

Com essas deficiências, muitos alegam que a nova norma não tornou o investimento em startups necessariamente mais vantajoso do que investir na bolsa de valores ou em fundos. Apesar disso, ainda parece ser unânime a satisfação com os aspectos positivos da Lei Complementar e a perspectiva de uma contínua evolução legislativa da matéria. Somente o tempo dirá se a lei é suficiente para dar a segurança jurídica necessária a este tipo de investimento.

Orlando Parente da Camara FilhoOrlando Parente da Camara Filho foi graduado na Universidade Federal do Amazonas, em 2002. Pós-graduado em Direito Contratual e Empresarial pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (PUC/SP), membro da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB), Secção de São Paulo, desde 2004 e da American Bar Association.

 

Ricardo Thomazinho da CunhaRicardo Thomazinho da Cunha é graduado pela Universidade de São Paulo, em 1993. Em dezembro de 2000, recebeu o seu Doutoramento em Direito pela Universidade de São Paulo Faculdade de Direito iuris (Dr.), com a tese de Direito da Concorrência no Mercosul e na União Europeia.

Sócio centrando sua prática em direito tributário e direito empresarial, especialmente em fusões e aquisições e em investimentos estrangeiros no Brasil, com vasta experiência em infra-estrutura.

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