Dentro do ideário de desburocratização e a simplificação da “máquina pública”, o Governo Federal passou a rever diversos procedimentos administrativos e judiciais visando gerar movimentação na economia e, via reflexa, nas relações de trabalho.

No âmbito trabalhista, esse projeto iniciou com a proposta de revisão de todas as 36 Normas Regulamentadoras mitigando o sistema de fiscalização e implantação de empresas no Brasil, com regras mais claras e racionais, segundo o porta-voz do Governo.

Inicialmente, a implementação desse projeto ocorreu por meio das Portarias nº 915 e 916 do Ministério da Economia, que alteraram as NR-01 (Disposições Gerais) e NR-12 (Segurança no Trabalho em Máquinas e Equipamentos), bem como revogaram a NR-02 (Inspeção Prévia).

Em setembro passado, foi convertida em lei a Medida Provisória nº 881/2019, popularmente conhecida como a “MP da Liberdade Econômica” (Lei nº 13.874/2019) e publicada a Lei 13.876/2019, as quais geraram impactos significativos em diversas leis mas, em especial, na Consolidação das Leis do Trabalho (CLT).

Dentre as alterações ocorridas, há expressa previsão da emissão da Carteira de Trabalho e Previdência Social (CPTS) por meio eletrônico, passando o meio físico ser exceção.

Segundo a lei, o Ministério da Economia será o órgão responsável por regular os modelos eletrônicos, já que tal ministério assumiu parcela das atribuições do extinto Ministério do Trabalho e Emprego.

A CTPS digital deixará de ter diversas informações do trabalhador, sendo a única identificação o número no Cadastro de Pessoas Físicas (CPF).

A adoção apenas do CPF como forma de identificação do trabalhador vai ao encontro dos diversos projetos já adotados pelo Governo Federal que visam a redução do excessivo número de cadastros e registros dos cidadãos, unificando em sistema único.

Outra alteração necessária foi a ampliação do prazo para anotação da CTPS que passa a ser de 5 dias úteis (e não apenas de 48 horas como anteriormente).

BurocraciaA ampliação desse prazo é plausível dada a obrigatoriedade de adoção pelas empresas do sistema informatizado dos trabalhadores pelo E-Social que substitui os sistemas CAGED e RAIS, tendo a Portaria SEPRT 1.127/2019, publicada em 15/10/2019, definido as datas e condições dessa migração.

Alteração significativa gerada na CLT foi no tocante à jornada de trabalho.

Até a recente reforma, apenas empresas com até 10 empregados estavam dispensadas de implementar o controle de jornada. Agora, essa limitação foi ampliada para empresas com até 20 empregados.

Essa alteração atinge diretamente pequenas, micros empresas que ficarão dispensadas de controle de jornadas por meio de controles manuais, biométricos, eletrônicos e demais hipóteses autorizadas pelo órgão de fiscalização, desburocratizando tais tipos de empresas.

Referida alteração gerará, inclusive, reflexos no âmbito judicial trabalhista, já que estando tais empregadores dispensados do controle de jornada de seus funcionários, será ônus do trabalhador provar que a jornada contratual era descumprida (art. 818, I, da CLT).

Outra alteração introduzida na CLT foi a adoção, por qualquer empregador, da utilização do registro de ponto por exceção por meio de acordo individual de trabalho escrito, convenção coletiva ou acordo coletivo de trabalho.

O registro de ponto por exceção é aquele no qual o empregado anota apenas as horas extras laboradas ou labor em dias destinados à folga semanal, por exemplo. Não havendo sobrelabor, fica dispensada anotação de jornada no respectivo dia.

Tal alteração foi significativa e impacta diretamente nas decisões judiciais. Isso porque o Tribunal Superior do Trabalho (TST) tinha entendimento pacífico no sentido de que tal forma de anotação de jornada ainda que prevista em norma coletiva, era inválida, pois violava direitos de ordem pública. Não havia sequer possibilidade de negociação individual de tal jornada.

Com a Reforma Trabalhista que previu a possibilidade de as normas coletivas disporem sobre jornada (art. 611-A, da CLT), algumas Turmas do TST passaram recentemente a admitir a validade de cláusulas normativas que autorizavam a adoção do ponto por exceção.

Ocorre que, com a nova alteração da CLT, essa discussão judicial acerca da validade do negociado sobre o legislado, tornou-se inócua ante a expressa autorização legal da adoção do sistema de ponto por exceção podendo, inclusive, ser adotado por meio de acordo individual de trabalho, hipótese sequer cogitada anteriormente.

Entretanto, a lei é expressa ao exigir que tal forma de controle de jornada deve ser feita por meio escrito, demonstrando a aquiescência do trabalhador.

Outra alteração recente na CLT, demonstrando o caráter arrecadatório em prol da máquina pública, foi vedar a realização de acordos judiciais trabalhistas sem que haja contribuições previdenciárias ou fiscais, exceto nos casos em que as ações se limitam a pleitear, exclusivamente, parcelas de natureza indenizatória, sob as quais não há incidência de contribuições previdenciária ou fiscal.

Cabe destacar que antes dessa alteração legislativa, as partes poderiam discriminar verbas do acordo livremente, observando os limites dos pedidos formulados, bem como dando quitação geral ao extinto contrato de trabalho, podendo, com anuência do magistrado, atribuir natureza indenizatória sob o valor total acordado.

Considerando ser ínfima a quantidade de ações que pleiteiam verbas exclusivamente indenizatórias, referida alteração legislativa poderá reduzir o número de acordos ou, precarizar ainda mais direito dos trabalhadores com a redução maior do valor do acordo para que haja o pagamento da contribuição à União Federal.

Em síntese, as alterações legislativas demonstram a implantação de promessas do Governo, como a busca do aquecimento da economia e da geração de novos empregos, reformas nos sistemas previdenciários e fiscais, itens fundamentais para o desenvolvimento de qualquer nação. Todavia, imperioso acompanhar se tais reformas acarretarão, de forma efetiva, no progresso do Brasil ou se serão desvirtuadas pelos aplicadores da lei, gerando a precarização não apenas das relações de trabalho, mas de toda a nação brasileira.

Crédito das imagens que ilustram a matéria: Foto de abertura de Mike no Pexels ; Foto interna de Foto  de KML no Pexels

 

Cristina Felicio Drummond de Castro FranchiCristina Felicio Drummond de Castro Franchi é graduada pela Universidade Presbiteriana Mackenzie, Pós-Graduada em Direito e Processo do Trabalho pela Universidade Presbiteriana Mackenzie, inscrita na Ordem dos Advogados do Brasil desde 2003. Foi professora Titular de Direito e Processo do Trabalho na Universidade Santo André – UniA (2005-2007).