Exigir que o trabalhador se submeta a exames toxicológico e de HIV, bem como a solicitação de antecedentes criminais na sua admissão e até mesmo durante a vigência do contrato de trabalho pode ser considerado como um abuso do empregador?

exigência de exames toxicológicos, HIV e antecedentes criminais

O que, a princípio pode soar como um ato discriminatório e abusivo do empregador, a depender da natureza da prestação de serviços é, na verdade, medida essencial para a garantia da segurança e saúde dos empregados, não podendo ser interpretado como inviolabilidade da vida privada, honra e imagem.

A título exemplificativo, podemos citar uma empresa que presta serviços em navios e embarcações, que devem zelar pela saúde e bem estar tanto da tripulação quanto dos passageiros. A ausência de adoção dessas medidas preventivas poderia gerar danos irreparáveis, tornando essencial a atuação do empregador em saber quais particularidades e necessidades cada um de seus empregados possui.

Ademais, considerando que durante a realização de um cruzeiro marítimo há limitação de acesso aos serviços médicos especializados e que durante uma intercorrência médica, não é possível o retorno do navio de forma imediata ao local que possua plenas condições de atendimento médico, a exigência de outros exames além dos comumente solicitados no ato da contratação e nos exames periódicos não parece fugir ao razoável. 

Cabe salientar que a exigência do exame por si só não pode ser considerada como conduta atentatória a dignidade do trabalhador, vez que o mero ato da solicitação não se revela como discriminatório, ainda mais quando o procedimento é aplicado a todos os trabalhadores indistintamente, independente de sua nacionalidade ou local de contratação, sendo este também o entendimento do Tribunal Superior do Trabalho (TST) no processo Ag-RRAg-11653-33.2016.5.09.0011.

Ao empregador cabe assumir o risco do negócio, todavia, como todos os princípios que regem o contrato de trabalho, esse não é absoluto a ponto de impedir a realização de exames que visam coibir situações graves passíveis de serem solucionadas com maior rapidez ou até mesmo mitigadas.

A ciência do quadro médico de cada empregado é medida simples, prática e segura para lidar com eventuais intercorrências tendo em vista que sua adoção acarreta a redução do fator de risco.

Com relação à solicitação de certidão de antecedentes criminais, tal pedido realizado ao trabalhador para a doutrina e jurisprudência trabalhistas também não se apresenta como ofensivo ou discriminatório, vez que se trata de solicitação de documento público, o qual poderia ser facilmente acessado pela própria empresa sem necessidade de autorização prévia do trabalhador, não restando preenchidos os requisitos da responsabilidade extrapatrimonial conforme aduz o artigo 186 do Código Civil.

Frisa-se que este é o entendimento do TST, no Incidente de Recurso Repetitivo (IRR-SBDI-1), para o Tema Repetitivo 1, processo TST-IRR-243000-58.2013.5.13.0023, no qual o Tribunal fixou a tese de que a exigência da certidão, feita por empregadores, não é ilegítima, quando amparada em expressa previsão legal ou justificar-se em razão da natureza do ofício ou do grau especial de fidúcia exigido.

Nessa senda, dependendo da atividade a ser exercida pelo trabalhador, é necessário um grau especial de fidúcia, sendo exemplificado pelo TST no julgamento do Tema Repetitivo 1, a contratação de empregados domésticos, cuidadores de menores, idosos ou deficientes (em creches, asilos ou instituições afins), motoristas rodoviários de carga, empregados que laboram no setor da agroindústria no manejo de ferramentas de trabalho perfurocortantes, bancários e afins, trabalhadores que atuam com substâncias tóxicas, entorpecentes e armas bem como trabalhadores que atuam com informações sigilosas.

Assim, conclui-se que a exigência da empresa ao trabalhador na realização de testes toxicológicos, HIV e certidões de antecedentes criminais por si só, não configura lesão ao princípio da dignidade humana ou ofensa a lei, por valer-se a empresa do seu poder diretivo, da natureza da atividade a ser exercida pelo empregador e da assunção do risco de suas atividades.

 

Foto de Sora Shimazaki no Pexels

Marjorie Nepomuceno BelezziMarjorie Nepomuceno Bellezi é graduada pela Faculdade de Direito de São Bernardo do Campo, Pós Graduada em Direito do Trabalho pela Escola Professor Damásio de Jesus.