A curiosidade do tema decorre de um entendimento que já estava pacificado pelo Supremo Tribunal Federal e acabou vindo à tona em razão de uma decisão do Tribunal de Justiça de São Paulo que julgou inconstitucionais alguns artigos do Decreto-Lei 70/66.

Sinteticamente, os artigos 31 a 38, do Capítulo III, do mencionado Decreto-Lei trata da execução extrajudicial advinda de dívida hipotecária inadimplida.
São, basicamente, esses dispositivos que voltaram à pauta e trouxeram uma discussão interessante sob a ótica do Ministro Marco Aurélio, do Supremo Tribunal Federal, abarcando os institutos do devido processo legal e do direito de propriedade.
Num contrato de compra e venda imobiliária sob a regência da legislação ora comentada, as partes se submetem à execução extrajudicial, no caso de inadimplemento das prestações avençadas e, superado o procedimento previsto na lei, ocorre a arrematação do imóvel, em leilão público, sem discussão judicial.
O Ministro Marco Aurélio ao embasar o seu voto, entendeu que a automaticidade de providências para esse leilão prejudica o direito de propriedade do devedor que, sem possibilidade de se defender, perde o imóvel que lhe pertencia.
Segundo ele, está-se diante de regência, sob todos os ângulos, incompatível com a Constituição Federal, no que assegura às partes, em processo judicial ou administrativo, e aos acusados em geral, o contraditório e a ampla defesa, com os meios e recursos a ela inerentes, e vincula a perda do bem ao devido processo legal.
Por outro lado, o voto do Ministro Dias Toffoli que, aliás, foi vencedor, acabou por firmar a jurisprudência sobre o assunto. Segundo o Ministro, o procedimento da alienação extrajudicial, não é realizado de forma aleatória e se submete ao controle do Poder Judiciário, em, ao menos, uma de suas fases, pois o devedor é intimado a acompanhá-lo, podendo impugnar, inclusive judicialmente, se irregularidades ocorrerem durante o seu trâmite.
Assim, apesar de ter acenado com uma possibilidade de modificação, diante da tese do Ministro Marco Aurélio, o entendimento atual foi pacificado, inclusive sob o prisma da repercussão geral, ficando explicitado da seguinte forma: “É constitucional, pois foi devidamente recepcionado pela Constituição Federal de 1988, o procedimento de execução extrajudicial, previsto no Decreto-lei nº 70/66”.
Evidentemente, o tema é bastante recheado de conceitos constitucionais, mas do ponto de vista prático, a despeito da discussão técnica, não houve mudança no entendimento, do Supremo Tribunal Federal, considerando-se, inclusive, tema de repercussão geral norteando, portanto, os demais processos que venham a tratar o assunto.
Assim, tomando por base o próprio voto vencido do Ministro Marco Aurélio, não se pode deixar de refletir o quão importante é para o cidadão leigo, que pouco está envolvido com temas tão áridos, como o ora apresentado, procurar se informar previamente, a fim de que não venha a ser surpreendido com um tipo de procedimento tão rápido que o leva a perder seu único imóvel, eventualmente, iludido por uma possibilidade de ganhar tempo até conseguir recursos para quitar seu débito.
E. Ideli Silva é Graduada pela Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo, especializada em Direito Privado, Direito Processual Civil e Direito de Família.