Com o advento do (não tão) novo Código Civil de 2002, diversos institutos de direito material foram alterados para se adequarem aos mais contemporâneos fatos da sociedade, uma vez que o Código Civil revogado previa uma metodologia que já não mais possuía a eficácia de outrora para atender aos anseios da população.
Um dos institutos alterados foi o da prescrição, que estabelece o prazo temporal para que uma parte exerça um direito em face de outrem. Tal prazo, determinado por lei, visa colocar um ponto final na relação jurídica sobre a qual o direito possa ser exercido ou não. Caso fosse indefinida no tempo, a instabilidade social se encontraria na eterna dúvida, por parte de um devedor, se o credor poderia manifestar seu interesse contrário, descartando a paz social que existiria caso tal direito deixasse de ser exercido. Daí que se parte o interesse de ordem pública na extinção dos direitos pelo transcurso de tempo eis que, caso contrário, todos deveriam arquivar indefinitivamente os registros e documentos de todos os negócios jurídicos realizados durante a vida.
Contraposto a isto, a tendência, considerando as mudanças sociais que vivenciamos, é que o prazo prescricional seja reduzido cada vez mais com o fito de se encerrar as relações cuja pretensão, por parte do credor, não seja manifestada.
Foi com esta premissa que o Código Civil de 2002 alterou, substancialmente, os prazos prescricionais previstos no Código Civil de 1916, diminuindo consideravelmente as décadas acobertadas pela antiga Lei.
Com isso, no intuito de simplificar a aplicação dos efeitos da prescrição, o atual Código Civil estabeleceu diferentes prazos para as diferentes relações jurídicas que poderiam ocorrer no âmbito do Direito Privado, graduados entre um a cinco anos e distinguindo, para tanto, a regra geral que se aplica às relações que não possuem previsão específica.
Desta forma, constituiu-se que, para relações específicas como pretensão de segurado contra segurador, pretensão para haver prestações alimentares, pretensão relativa a aluguéis, entre outras, se aplica a regra especial sobre cada caso e, na hipótese de não haver previsão expressa para determinada relação, aplica-se a regra geral de dez anos para se eivar a prescrição:
Art. 205. A prescrição ocorre em dez anos, quando a lei não lhe haja fixado prazo menor.
A celeuma, contudo, existe quando se interpreta para determinada relação jurídica diferentes conceitos que resultam numa “extensão” dos efeitos da prescrição. Um exemplo disso se dá na hipótese de se exigir reparação por danos sofridos.
Como prevê o art. 206, §3º, V, do Código Civil, é de três anos a pretensão de reparação civil. Porém, em que pese a formidável intenção do legislador em simplificar a aplicabilidade de cada uma das hipóteses previstas na Lei, criou-se a discussão acerca da aplicabilidade do mencionado prazo nas questões de responsabilidade civil: se o prazo de três anos é cabível apenas às relações que envolvem responsabilidade extracontratual ou se abarcam as relações em que envolvem reparação civil oriunda de inadimplemento contratual (que envolvem obrigações contraídas entre as partes).
Até hoje a discussão é vigorosa e possui correntes conflitantes. Em diversos momentos, inclusive, nota-se que a jurisprudência pendula para ora se aplicar irrestritamente o prazo trienal para reparação civil e ora faz a distinção para aplicar o prazo decenal aos casos que envolvem reparação civil por inadimplemento contratual.
Temos, como exemplo disso, no ano de 2012, a proposição de um entendimento até então majoritário da comunidade jurídica que, em encontro conhecido como a “V Jornada de Direito Civil” patrocinada pelo Conselho da Justiça Federal e com a participação de diversos membros do Judiciário, nos norteou com o Enunciado nº 419, que nos diz o seguinte: “o prazo prescricional de três anos para a pretensão de reparação civil aplica-se tanto à responsabilidade contratual quanto à responsabilidade extracontratual”. A justificativa para esta enunciação traz, além de ressaltar a inexistência de qualquer fundamento axiológico para distinção – na lei – da prescrição em responsabilidade contratual ou extracontratual, a incoerência em se prestigiar um lapso amplo para a ocorrência de prescrição nos danos causados em uma relação contratual.
Além deste entendimento proferido na V Jornada de Direito Civil, por muito tempo diversos Tribunais coadunaram com a aplicação do prazo trienal para as pretensões de reparação civil originárias da responsabilidade contratual[1].
Porém, em que pese o entendimento de quem optou por aplicar, até então, o prazo trienal às ações que possuem a pretensão de reparação civil, recentíssimo julgado emanado pelo Superior Tribunal de Justiça, nos Embargos de Divergência em Recurso Especial nº 1.281.594/SP, sob a relatoria do Ministro Benedito Gonçalves, a Corte Especial se empenhou para pacificar o tema.
Numa análise minuciosa sobre a questão, em julgamento não unânime, através do voto-vista do Ministro Felix Fischer, reconheceu o que há tempos tem se firmado como teoria dualista, em que se aponta o termo “reparação civil” apenas à hipótese de responsabilidade por ato ilícito extracontratual e, por este motivo, o legislador, ao confeccionar o Código Civil em vigor, previu e imputou tal termo especificamente nos trechos que em que há referência à responsabilidade civil extracontratual.
Com isso, tendo em vista as origens distintas de cada fato que possa ensejar uma pretensão indenizatória, bem como a redação atualmente contida no Código Civil, conclui-se, pelo menos momentaneamente, que o prazo prescricional para as demandas que visam reparar os prejuízos decorrentes do descumprimento contratual é de dez anos e, consequentemente, nos traz a necessidade de nos atentarmos para os negócios jurídicos realizados há mais de três anos, pois os ilícitos contratuais que poderiam estar prescritos em razão do entendimento jurisprudencial superado, ganham força e permitem que a parte prejudicada faça valer seu direito à reparação dos eventuais danos sofridos.
[1] Cf. STJ – REsp 1.281.594/SP, 3ª Turma, Rel. Min. Marco Aurélio Bellizze, DJe 28/11/2016; TJSP – Apel. nº 1076531-14.2017.8.26.0100, 29ª Câm. Dir. Priv. Rel. Carlos Dias Motta, DJe 22/03/2018; TJMG – Apel. nº 1.0720.18.000397-5/001, 9ª Câm. Cível, Rel. Amorim Siqueira, DJe 13/12/2018; TJRS – Apel. nº 018369-29.2016.8.21.7000, 15ª Câm. Cível, Rel. Otavio Augusto de Freitas Barcellos, julgado em 28/09/2016.
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Igor Daniel Petters Duarte é advogado da área de contencioso cível da Thomazinho, Monteiro, Bellangero e Jorge Sociedade de Advogados e pós-graduando em direito processual civil pela PUC-SP.