O artigo 146, do Código Tributário Nacional, impede a modificação do critério jurídico do lançamento tributário, o que tem ocasionado debates bastante frutíferos em processos administrativos em curso perante o Conselho Administrativo de Recursos Fiscais, revelados pelo estudo de alguns acórdãos que serão relatados ao longo deste breve estudo.

Nesse sentido, pretende-se tanto a contribuição pragmática com o estudo destes precedentes, como também lembrar os termos das disposições do Código Tributário Nacional e regramento federal do processo administrativo (notadamente Decreto nº 70.235/1972 e 7.574/2011)

Artigo 146, do Código Tributário Nacional e o Critério Jurídico do lançamento

O artigo 146, do Código Tributário Nacional, prescreve que: “A modificação introduzida, de ofício ou em conseqüência de decisão administrativa ou judicial, nos critérios jurídicos adotados pela autoridade administrativa no exercício do lançamento somente pode ser efetivada, em relação a um mesmo sujeito passivo, quanto a fato gerador ocorrido posteriormente à sua introdução.”

A premissa necessária para o estudo é definir o que se entende por “critério jurídico adotado pela autoridade administrativa no exercício do lançamento”.

Lembro que o artigo 142, do Código Tributário Nacional, define o lançamento tributário como “procedimento administrativo tendente a verificar a ocorrência do fato gerador da obrigação correspondente, determinar a matéria tributável, calcular o montante do tributo devido, identificar o sujeito passivo e, sendo caso, propor a aplicação da penalidade cabível”.

Assim, o lançamento tributário, norma individual e concreta inserida no ordenamento pelo agente da Administração Pública Direta, determina a matéria tributável, calcula o tributo devido, identifica o sujeito passivo. Ao assim proceder, subsume a norma geral e abstrata aos eventos do mundo fenomênico, com a necessária motivação da incidência tributária ao caso concreto.

A compreensão da motivação do lançamento é fundamental para interpretação do artigo 146, do Código Tributário Nacional, e esta interpretação – pragmaticamente – ocasiona grandes debates para a aplicação do dispositivo legal, como trataremos ao longo deste breve estudo.

A consistência do lançamento tributário

A interpretação do critério jurídico do lançamento é relevante, originalmente, para avaliar a legitimidade da subsunção efetuada pelo auditor fiscal no momento do lançamento.

Na hipótese de equívoco na subsunção da norma geral e abstrata ao evento, é possível a anulação do auto de infração, reforçada pela restrição para a posterior modificação dos critérios definidos pelo autuante, que pudessem corrigir os equívocos originais.

Alguns julgamentos do Conselho Administrativo de Recursos Fiscais tratam do artigo 146, do Código Tributário Nacional, sob tal enfoque, como fez a maioria do Colegiado no acórdão 9101-002.961 (Processo Administrativo nº 10707.000936/2007-11, publicado em 04/09/2017). Neste precedente, a 1ª Turma da Câmara Superior de Recursos Fiscais entendeu que a fiscalização aplicou norma jurídica equivocada (penalidade aplicada por atraso, ou falta, de apresentação dos arquivos magnéticos), quando o evento apurado nos autos, que poderia originar a aplicação de multa, só se subsumiria a outra infração legal (apresentação de arquivos em forma equivocada). A vedação legal de modificação do critério do lançamento acarretou a anulação do próprio lançamento pela Turma.

Alguns precedentes, como o acórdão n º 1401-002.199, da 1ª Turma Ordinária da 4ª Câmara da Primeira Seção (Processo Administrativo nº 16561.720139/2013-81, publicado em 08/05/2018) prestigiam o artigo 146, do Código Tributário Nacional, que seria aplicável no caso de “modificação completa dos critérios jurídicos”. Em sentido contrário, o “acréscimo de critério jurídico” (expressão empregada no citado julgamento) não prejudicaria a manutenção do lançamento. (Processo Administrativo nº 16561.720139/2013-81)[3].

Destaca-se também julgamento da 1ª Turma Ordinária da 4ª Câmara da Segunda Seção, no qual se menciona a impossibilidade de nova valoração jurídica dos fatos conhecidos, quando o autuante “não aprofundou o trabalho” (acórdão 2401-005.729, Processo Administrativo nº 16327.720432/2015-82, publicado em 16/10/2018)[4]. O caso era bastante peculiar, como destacou o Conselheiro Relator, pois “dos mesmos fatos e em face do mesmo sujeito passivo, ocorreram lançamentos do mesmo tributo, sob fundamentos distintos”. Os julgadores, nesse contexto, decidiram pelo cancelamento do lançamento tributário.

Em outro precedente interessante, a 3ª Turma Ordinária da 1ª Câmara da 1ª Seção vislumbrou incoerência na motivação do lançamento, (acórdão 1103-001.097, Processo Administrativo nº 10480.725955/2012-13, publicado em 26/08/2014[5]), decidindo por cancelar a exigência. O voto condutor deste acórdão menciona a “requalificação jurídica dada aos fatos” pelo próprio lançamento, o que está relacionado com a interpretação do artigo 146, do Código Tributário Nacional – embora o Colegiado não tenha empregado textualmente o artigo 146 na fundamentação. Neste processo, a Procuradoria apresentou recurso especial, não conhecido pela 1ª Turma da Câmara Superior de Recursos Fiscais (acórdão 9101-003.052, publicado em 31/08/2017[6]).

Os precedentes acima enumerados lembram a consistência exigida do lançamento tributário, como também a impossibilidade de correção, de eventual equívoco do auto de infração, por atos posteriores no processo administrativo.

Em prosseguimento, trataremos de duas formas de alteração do critério jurídico referidas pelo artigo 146, do Código Tributário Nacional: “de ofício” ou “em consequência de decisão administrativa”. Assim, não trataremos da modificação por decisão judicial, hipótese também citada pelo dispositivo do Código Tributário Nacional, mas com pouco impacto em decisões administrativas que serão referidas neste artigo.

Modificação de ofício

O regramento federal autoriza a lavratura de lançamento tributário complementar. Em alguns lançamentos complementares – não todos -, é possível a verificação de alteração do critério jurídico de lançamento anterior, situação a ser avaliada à luz do artigo 146, do Código Tributário Nacional.

Sobreleva considerar que a legislação federal autoriza o lançamento complementar para agravamento do auto de infração com a lavratura de lançamento complementar, conforme previsão expressa do artigo 18, §3º, do Decreto nº 70.235/1972, recepcionado como Lei pela Constituição Federal:

Art. 18. A autoridade julgadora de primeira instância determinará, de ofício ou a requerimento do impugnante, a realização de diligências ou perícias, quando entendê-las necessárias, indeferindo as que considerar prescindíveis ou impraticáveis, observando o disposto no art. 28, in fine. (Redação dada pela Lei nº 8.748, de 1993) (…)

  • 3º Quando, em exames posteriores, diligências ou perícias, realizados no curso do processo, forem verificadas incorreções, omissões ou inexatidões de que resultem agravamento da exigência inicial, inovação ou alteração da fundamentação legal da exigência, será lavrado auto de infração ou emitida notificação de lançamento complementar, devolvendo-se, ao sujeito passivo, prazo para impugnação no concernente à matéria modificada. (Redação dada pela Lei nº 8.748, de 1993)

Note-se que, em respeito aos princípios do contraditório e ao da ampla defesa, o artigo 18, §3º, do Decreto nº 70.235/1972 assegura aos contribuintes o direito de nova impugnação administrativa.

O Decreto nº 7.574/2011 se alinha a tal diretriz legal, explicitando a possibilidade de novo lançamento e necessidade de se oportunizar a instauração do contencioso administrativo desde a impugnação administrativa[7]. O Decreto nº 7.574/201 é apenas mais claro ao prever que o lançamento poderá complementar o lançamento anterior, ou substituí-lo[8]. De toda forma, vislumbra-se como gênero o lançamento “complementar” em sentido lato e como espécies o lançamento complementar em sentido estrito e o lançamento substitutivo.

Acrescente-se que o Decreto nº 7.574/2011 trata das hipóteses de lançamento complementar nos casos de: (a) apuração incorreta da base de cálculo (inciso I, alínea a), (b) não inclusão de matéria devidamente identificada no crédito tributário (inciso I, alínea b) ou (c) fatos novos, desconhecidos pela autoridade lançadora original (inciso II)[9].

A 1ª Turma da Câmara Superior de Recursos Fiscais (acórdão 9101-003.446, Processo Administrativo nº 10980.725496/2011-56, publicado em 28/06/2018) julgou caso em que o lançamento complementar foi lavrado para imposição de multa qualificada e atribuição de responsabilidade tributária a terceiros, concluindo que – naquele caso específico – não se justificaria a modificação do critério jurídico definido no momento do lançamento original, aplicando o artigo 146, do Código Tributário Nacional[10]. Diante disso, foi julgado improcedente o lançamento complementar.

Modificação em consequência de decisão administrativa

O artigo 146, do Código Tributário Nacional também menciona a modificação do critério jurídico do lançamento “em consequência de decisão administrativa”, hipótese com maior ocorrência em julgamentos do CARF.

A 2ª Turma Ordinária da 4ª Câmara da Primeira Seção do CARF cancelou lançamento tributário, referindo-se à impossibilidade de julgador administrativo utilizar fundamentos distintos daqueles previstos na autuação fiscal. (acórdão 1402-002.603, Processo Administrativo nº 13971.723117/2014-33, publicado em 29/08/2017)[11].

Também aplicando o artigo 146, do Código Tributário Nacional, a 1ª Turma da CSRF decidiu que a decisão administrativa (Delegacia da Receita Federal de Julgamento) que modifica a apuração do imposto de renda, de lucro real para outra forma de apuração, é nula. (acórdão 9101-003.157[12], Processo Administrativo nº 10882.002868/2004-51, publicado em 18/10/2017).

A 1ª Turma Ordinária da 4ª Câmara (acórdão nº 1401-002.822, Processo Administrativo nº 16561.720069/2016-11, publicado em 19/10/2018), na mesma esteira, decidiu pela nulidade de decisão de primeira instância com fundamento distinto da motivação do auto de infração[13].

De acordo com tais precedentes, a aplicação do artigo 146, do Código Tributário Nacional, pode acarretar a nulidade da decisão administrativa – que tenha alterado o critério jurídico – ou mesmo do lançamento tributário, se o critério jurídico estiver equivocado e o processo estiver em condições de julgamento da matéria. Isto porque as restrições quanto à devolutividade recursal podem dificultar – ou até impedir – a decretação de nulidade do lançamento em algum momento processual, assim como o direito à ampla defesa e contraditório que sempre é assegurado às partes.

Nota-se, portanto, que a restrição à modificação do critério jurídico do lançamento tem impacto na averiguação da consistência do lançamento, no julgamento de processos administrativos, como também na elaboração de lançamentos complementares.

Erro de Direito e Artigo 146, do Código Tributário Nacional

Por fim, para interpretação do artigo 146, é pertinente lembrar a distinção entre erro de fato e erro de direito. A questão foi minuciosamente enfrentada pelo Professor Paulo de Barros Carvalho:

“Enquanto o ‘erro de fato’ é um problema intranormativo, um desajuste interno na estrutura do enunciado, o ‘erro de direito’ é vício de feição internormativa, um descompasso entre a norma geral e abstrata e a individual e concreta. Assim constitui ‘erro de fato’, por exemplo, a contingência de o evento ter ocorrido no território do Município ‘X’, mas estar consignado como tendo acontecido no Município ‘Y’ (erro de fato localizado no critério espacial), ou, ainda, quando a base de cálculo registrada para efeito do IPTU foi o valor do imóvel vizinho (erro de fato verificado no elemento quantitativo). ‘Erro de direito’, por sua vez, está configurado, exemplificativamente, quando a autoridade administrativa, em vez de exigir o ITR do proprietário do imóvel rural, entende que o sujeito passivo pode ser o arrendatário, ou quando, ao lavrar o lançamento relativo à contribuição social incidente sobre o lucro, mal interpreta a lei, elaborando seus cálculos com base no faturamento da empresa, ou, ainda, quando a base de cálculo de certo imposto é o valor da operação, acrescido do frete, mas o agente, ao lavrar o ato de lançamento, registra apenas o valor da operação, por assim entender a previsão legal. A distinção entre ambos é sutil, mas incisiva.” (Paulo de Barros Carvalho, in “Direito Tributário – Linguagem e Método”, 2ª Ed., Ed. Noeses, São Paulo, 2008, págs. 445/446)

O Superior Tribunal de Justiça tratou da distinção entre erro de fato e erro de direito no acórdão nº 1130545, concluindo que: “nas hipóteses de erro de direito (equívoco na valoração jurídica dos fatos), o ato administrativo de lançamento tributário revela-se imodificável, máxime em virtude do princípio da proteção à confiança, encartado no artigo 146, do CTN” (trecho da ementa do acórdão)[14].

O acórdão do Superior Tribunal de Justiça foi submetido à sistemática do artigo 543-C, do antigo Código de Processo Civil, sendo de reprodução obrigatória pelos Conselheiros do CARF[15].

Não obstante isso, a interpretação do tema não é pacífica no CARF, restando a análise dos exatos contornos de cada caso, para então avaliar a razão pela qual não foi aplicado o racional do recurso especial nº 1130545.

Com efeito, a 2ª Turma Ordinária da 3ª Câmara da Primeira Seção decidiu, por maioria de votos, que “Critério jurídico não tem nenhuma relação com erro de direito” (trecho do voto do Conselheiro Relator, acórdão 1302-002.631, Processo Administrativo nº 10980.723832/2014-11, publicado em 11/05/2018).

Em sentido oposto, decidiu a 1ª Turma Ordinária da 2ª Câmara da Terceira Seção pela existência de relação entre erro de direito e o artigo 146, do Código Tributário Nacional (acórdão 3201-003.374, Processo Administrativo nº 10611.002418/2010-05, publicado em 07/03/2018)[16].

A conformação do erro do direito à hipótese do artigo 146, do CÓDIGO TRIBUTÁRIO NACIONAL, foi também vislumbrada pela 2ª Turma Ordinária da 4ª Câmara da Terceira Seção, que concluiu pelo cancelamento do auto de infração, no acórdão 3402-004.959 (Processo Administrativo nº 10835.722067/2013-62, publicado em 08/03/2018)[17].

Conclusões

Como exposto neste breve estudo, é necessário interpretar qual o critério jurídico em cada lançamento tributário; inicialmente para avaliar a legitimidade deste auto de infração. A jurisprudência tem tratado pontualmente do tema, avaliando o aprofundamento do trabalho do auditor fiscal autuante e havendo precedentes que julgam possível o “acréscimo de critério jurídico”.

Em casos de modificação de critério jurídico do lançamento tributário, por atuação de ofício (como em auto de infração complementar) há precedente entendendo pelo cancelamento deste novo lançamento.

A modificação de critério jurídico por decisão administrativa, quando constatada, pode ocasionar a anulação da própria decisão administrativa, ou do lançamento tributário.

Finalmente, tratamos dos erros de direito, definidos por doutrina e pelo Superior Tribunal de Justiça (acórdão submetido à sistemática de recursos repetitivos), lembrando que a jurisprudência não é pacífica sobre o assunto, ora tratando o erro de direito como modificação do critério jurídico, ora afastando a aplicação da expressão “critério jurídico” (empregada no artigo 146, do Código Tributário Nacional) quanto ao erro de direito.

 


[1] Artigo publicado na obra 30 anos da Constituição Federal e o Sistema Tributário Brasileiro, organização Priscila Souza, coordenação Paulo de Barros Carvalhos, 1ª Edição, São Paulo, Noeses, 2018.

[2] Mestre em Direito Tributário pela PUC/SP, Vice-Presidente do CARF, Professora Conferencista do IBET.

 

[3] Vale lembrar a ementa do julgado:

NULIDADE DE ACÓRDÃO DA DRJ POR INOVAÇÃO DO CRITÉRIO JURÍDICO. ART. 146 DO CTN. DIFERENÇA ENTRE MODIFICAÇÃO DO CRITÉRIO JURÍDICO E ACRÉSCIMO DE CRITÉRIO JURÍDICO.

A inovação do critério jurídico destacada pelo art. 146 do CTN representa a modificação completa dos critérios jurídicos adotados pela autoridade lançadora, o que não significa se concretizar quando a delegacia de piso apenas serviu-se de mais um argumento para a manutenção da autuação, e tal argumento não é o que suporta as razões de decidir do colegiado de 2º grau.

Nulidade que se afasta.

 

[4] Extrai-se deste acórdão:

MUDANÇA DE CRITÉRIO JURÍDICO NO LANÇAMENTO

Se a autoridade fiscal não aprofundou o trabalho delimitando o que seria passível de mudança no âmbito do lançamento tributário, não cabe agora fazer uma tentativa de salvar o lançamento anterior através de nova valoração jurídica dos fatos já conhecidos, sem trazer motivo jurídico e fático para tal fim e sem tecer os detalhes imprescindíveis para a nova forma de avaliação dos fatos. Deve ser observada a vedação contida no art. 146 do CTN.

[5] DDL – PLANOS DE VALOR – PROVAS E VALORAÇÃO DO QUADRO

O mero erro na capitulação legal não vitima o lançamento. Não é o que ocorre no caso vertente. O motivo e a razão decorrentes da valoração do quadro fático feita pelo autuante levaram à requalificação jurídica dos fatos como ganho de capital da recorrente por esta ser a efetiva alienante das ações para terceiro. Porém, a requalificação jurídica final se deu por DDL com aplicação de suas regras. Há incompatibilidade e incongruência do motivo, da razão e da consequente requalificação jurídica dos fatos (ganho de capital pela alienação a terceiro), com a finalização por requalificação jurídica por DDL (distribuição a sócio de lucro). Sintoma disso foi se considerarem ocorridas as DDL nas datas de alienação das ações pelos sócios a terceiro, e não nas datas de alienação das ações pela recorrente para seus sócios. Insubsistência da exigência ao se colocarem em planos de valor diversos o motivo, a razão e requalificação jurídica consequente dada aos fatos e a que foi ultimada por DDL.

[6] Transcreve-se a ementa deste acórdão:

“ADMISSIBILIDADE. ART. 67 DO ANEXO II DO RICARF. DIVERGÊNCIA. NÃO DEMONSTRADA. NÃO CONHECIMENTO.

O recurso especial interposto para a Câmara Superior de Recursos Fiscais, para ser conhecido, deve demonstrar a divergência de interpretação da legislação tributária entre a decisão recorrida e a paradigma, que pode ter sido proferida por outra câmara, turma de câmara, turma especial ou a própria CSRF. Contudo, a demonstração resta prejudicada quando se constata que decisão recorrida e paradigmas possuem suportes fáticos que não se comunicam. Recurso não conhecido.”

[7] Art. 41. Quando, em exames posteriores, diligências ou perícias realizados no curso do processo, forem verificadas incorreções, omissões ou inexatidões, de que resultem agravamento da exigência inicial, inovação ou alteração da fundamentação legal da exigência, será efetuado lançamento complementar por meio da lavratura de auto de infração complementar ou de emissão de notificação de lançamento complementar, específicos em relação à matéria modificada (Decreto no 70.235, de 1972, art. 18, § 3o, com a redação dada pela Lei no 8.748, de 1993, art. 1o).

  • 1º O lançamento complementar será formalizado nos casos:

I – em que seja aferível, a partir da descrição dos fatos e dos demais documentos produzidos na ação fiscal, que o autuante, no momento da formalização da exigência:

  1. a) apurou incorretamente a base de cálculo do crédito tributário; ou
  2. b) não incluiu na determinação do crédito tributário matéria devidamente identificada; ou

II – em que forem constatados fatos novos, subtraídos ao conhecimento da autoridade lançadora quando da ação fiscal e relacionados aos fatos geradores objeto da autuação, que impliquem agravamento da exigência inicial.  (…)

  • 3º Será concedido prazo de trinta dias, contados da data da ciência da intimação da exigência complementar, para a apresentação de impugnação apenas no concernente à matéria modificada.
  • 4º O auto de infração ou a notificação de lançamento de que trata o caput devem ser objeto do mesmo processo em que for tratado o auto de infração ou a notificação de lançamento complementados.
  • 5º O julgamento dos litígios instaurados no âmbito do processo referido no § 4o será objeto de um único acórdão.

[8] Art. 41 (…)§ 2º O auto de infração ou a notificação de lançamento de que trata o caput terá o objetivo de:

I – complementar o lançamento original; ou

II – substituir, total ou parcialmente, o lançamento original nos casos em que a apuração do quantum devido, em face da legislação tributária aplicável, não puder ser efetuada sem a inclusão da matéria anteriormente lançada.

[9] Art. 41. Quando, em exames posteriores, diligências ou perícias realizados no curso do processo, forem verificadas incorreções, omissões ou inexatidões, de que resultem agravamento da exigência inicial, inovação ou alteração da fundamentação legal da exigência, será efetuado lançamento complementar por meio da lavratura de auto de infração complementar ou de emissão de notificação de lançamento complementar, específicos em relação à matéria modificada (Decreto no 70.235, de 1972, art. 18, § 3o, com a redação dada pela Lei no 8.748, de 1993, art. 1o).

  • 1º O lançamento complementar será formalizado nos casos:

I – em que seja aferível, a partir da descrição dos fatos e dos demais documentos produzidos na ação fiscal, que o autuante, no momento da formalização da exigência:

  1. a) apurou incorretamente a base de cálculo do crédito tributário; ou
  2. b) não incluiu na determinação do crédito tributário matéria devidamente identificada; ou

II – em que forem constatados fatos novos, subtraídos ao conhecimento da autoridade lançadora quando da ação fiscal e relacionados aos fatos geradores objeto da autuação, que impliquem agravamento da exigência inicial.

  • 2º O auto de infração ou a notificação de lançamento de que trata o caput terá o objetivo de:

I – complementar o lançamento original; ou

II – substituir, total ou parcialmente, o lançamento original nos casos em que a apuração do quantum devido, em face da legislação tributária aplicável, não puder ser efetuada sem a inclusão da matéria anteriormente lançada.

  • 3º Será concedido prazo de trinta dias, contados da data da ciência da intimação da exigência complementar, para a apresentação de impugnação apenas no concernente à matéria modificada.
  • 4º O auto de infração ou a notificação de lançamento de que trata o caput devem ser objeto do mesmo processo em que for tratado o auto de infração ou a notificação de lançamento complementados.
  • 5º O julgamento dos litígios instaurados no âmbito do processo referido no § 4o será objeto de um único acórdão.

[10] A ementa do acórdão 9101-003.446 explicita:

“NULIDADE. LANÇAMENTO COMPLEMENTAR. MODIFICAÇÃO DO CRITÉRIO DO LANÇAMENTO. CTN, ART. 146. ERRO DE DIREITO. O lançamento complementar, que modifica critério jurídico de lançamento anterior para qualificar a multa de ofício e imputar responsabilidade tributária é nulo, por ofensa ao artigo 146, do Código Tributário Nacional. (…)” (Processo Administrativo nº 10980.725496/2011-56, sessão em 06/03/2018)

[11] Trecho da ementa do acórdão:

MODIFICAÇÃO DOS CRITÉRIOS JURÍDICOS DO LANÇAMENTO. DECISÃO ADMINISTRATIVA. CANCELAMENTO.

Se a decisão administrativa que promove a revisão do lançamento de ofício utiliza-se, expressamente, de outros fundamentos, diversos daqueles trazidos pela Fiscalização para sustentar a exigência fiscal, resta configurada a modificação dos critérios jurídicos, vedada pela norma extraída das disposições dos arts. 142, 146 e 149 do CTN, devendo ser cancelado o crédito tributário.

[12] NULIDADE. DECISÃO ADMINISTRATIVA QUE MODIFICA CRITÉRIO DO LANÇAMENTO DE IRPJ. CTN, ART. 146. ERRO DE DIREITO. CTN, ART. 149, IV. DECRETO 70.235/1972, ART. 59, II, §3º. A decisão da DRJ que altera o regime de apuração do IRPJ, de lucro real para lucro presumido, é nula, por ofensa ao artigo 146, do Código Tributário Nacional.

O erro de direito não é passível de correção por julgadores administrativos, em observância ao artigo 149, IV, do Código Tributário Nacional.

O artigo 59, §2º, do Decreto nº 70.235/1972, autoriza seja superada a nulidade do lançamento tributário quando a autoridade julgadora “puder decidir do mérito a favor do sujeito passivo”. Não há previsão legal para superação da nulidade para prolação de decisão desfavorável ao sujeito passivo.

[13] NULIDADE. DECISÃO DA DRJ QUE INOVA NA FUNDAMENTAÇÃO. É nula a decisão da DRJ que mantém a autuação com base em fundamento que não constou do auto de infração, por operar em cerceamento do direito de defesa da contribuinte.

AUTO DE INFRAÇÃO. ALTERAÇÃO PELA DECISÃO DE 1ª INSTÂNCIA. IMPOSSIBILIDADE. MUDANÇA DO CRITÉRIO JURÍDICO. ART. 146 DO CTN.

Não se afigura possível à autoridade julgadora de primeira instância alterar o fundamento do lançamento, adotando-se um novo critério, diverso daquele apontado pela autoridade fiscal no auto de infração.

Referida alteração configura mudança do critério jurídico, o que é vedado pelo artigo 146 do CTN, caracterizando inovação e aperfeiçoamento do lançamento.

 

[14] Destaca-se relevante trecho da ementa, tratando da distinção entre erro de fato e erro de direito, na linha da doutrina citada:

(…) 4. Destarte, a revisão do lançamento tributário, como consectário do poder-dever de autotutela da Administração Tributária, somente pode ser exercido nas hipóteses do artigo 149, do CTN, observado o prazo decadencial para a constituição do crédito tributário.

  1. Assim é que a revisão do lançamento tributário por erro de fato (artigo 149, inciso VIII, do CTN) reclama o desconhecimento de sua existência ou a impossibilidade de sua comprovação à época da constituição do crédito tributário.
  2. Ao revés, nas hipóteses de erro de direito (equívoco na valoração jurídica dos fatos), o ato administrativo de lançamento tributário revela-se imodificável, máxime em virtude do princípio da proteção à confiança, encartado no artigo 146, do CTN, segundo o qual “a modificação introduzida, de ofício ou em conseqüência de decisão administrativa ou judicial, nos critérios jurídicos adotados pela autoridade administrativa no exercício do lançamento somente pode ser efetivada, em relação a um mesmo sujeito passivo, quanto a fato gerador ocorrido posteriormente à sua introdução”.
  3. Nesse segmento, é que a Súmula 227/TFR consolidou o entendimento de que “a mudança de critério jurídico adotado pelo Fisco não autoriza a revisão de lançamento”.
  4. A distinção entre o “erro de fato” (que autoriza a revisão do lançamento) e o “erro de direito” (hipótese que inviabiliza a revisão) é enfrentada pela doutrina, verbis:

“Enquanto o ‘erro de fato’ é um problema intranormativo, um desajuste interno na estrutura do enunciado, o ‘erro de direito’ é vício de feição internormativa, um descompasso entre a norma geral e abstrata e a individual e concreta. Assim constitui ‘erro de fato’, por exemplo, a contingência de o evento ter ocorrido no território do Município ‘X’, mas estar consignado como tendo acontecido no Município ‘Y’ (erro de fato localizado no critério espacial), ou, ainda, quando a base de cálculo registrada para efeito do IPTU foi o valor do imóvel vizinho (erro de fato verificado no elemento quantitativo). ‘Erro de direito’, por sua vez, está configurado, exemplificativamente, quando a autoridade administrativa, em vez de exigir o ITR do proprietário do imóvel rural, entende que o sujeito passivo pode ser o arrendatário, ou quando, ao lavrar o lançamento relativo à contribuição social incidente sobre o lucro, mal interpreta a lei, elaborando seus cálculos com base no faturamento da empresa, ou, ainda, quando a base de cálculo de certo imposto é o valor da operação, acrescido do frete, mas o agente, ao lavrar o ato de lançamento, registra apenas o valor da operação, por assim entender a previsão legal. A distinção entre ambos é sutil, mas incisiva.” (Paulo de Barros Carvalho, in “Direito Tributário – Linguagem e Método”, 2ª Ed., Ed. Noeses, São Paulo, 2008, págs. 445/446).

“O erro de fato ou erro sobre o fato dar-se-ia no plano dos acontecimentos: dar por ocorrido o que não ocorreu. Valorar fato diverso daquele implicado na controvérsia ou no tema sob inspeção. O erro de direito seria, à sua vez, decorrente da escolha equivocada de um módulo normativo inservível ou não mais aplicável à regência da questão que estivesse sendo juridicamente considerada. Entre nós, os critérios jurídicos (art. 146, do CTN) reiteradamente aplicados pela Administração na feitura de lançamentos têm conteúdo de precedente obrigatório. Significa que tais critérios podem ser alterados em razão de decisão judicial ou administrativa, mas a aplicação dos novos critérios somente pode dar-se em relação aos fatos geradores posteriores à alteração.” (Sacha Calmon Navarro Coêlho, in “Curso de Direito Tributário Brasileiro”, 10ª Ed., Ed. Forense, Rio de Janeiro, 2009, pág. 708).

“O comando dispõe sobre a apreciação de fato não conhecido ou não provado à época do lançamento anterior. Diz-se que este lançamento teria sido perpetrado com erro de fato, ou seja, defeito que não depende de interpretação normativa para sua verificação. Frise-se que não se trata de qualquer ‘fato’, mas aquele que não foi considerado por puro desconhecimento de sua existência. Não é, portanto, aquele fato, já de conhecimento do Fisco, em sua inteireza, e, por reputá-lo despido de relevância, tenha-o deixado de lado, no momento do lançamento. Se o Fisco passa, em momento ulterior, a dar a um fato conhecido uma ‘relevância jurídica’, a qual não lhe havia dado, em momento pretérito, não será caso de apreciação de fato novo, mas de pura modificação do critério jurídico adotado no lançamento anterior, com fulcro no artigo 146, do CTN, (…). Neste art. 146, do CTN, prevê-se um ‘erro’ de valoração jurídica do fato (o tal ‘erro de direito’), que impõe a modificação quanto a fato gerador ocorrido posteriormente à sua ocorrência. Não perca de vista, aliás, que inexiste previsão de erro de direito, entre as hipóteses do art. 149, como causa permissiva de revisão de lançamento anterior.” (Eduardo Sabbag, in “Manual de Direito Tributário”, 1ª ed., Ed. Saraiva, pág. 707).

  1. In casu, restou assente na origem que:

“Com relação a declaração de inexigibilidade da cobrança de IPTU progressivo relativo ao exercício de 1998, em decorrência de recadastramento, o bom direito conspira a favor dos contribuintes por duas fortes razões.

Primeira, a dívida de IPTU do exercício de 1998 para com o fisco municipal se encontra quitada, subsumindo-se na moldura de ato jurídico perfeito e acabado, desde 13.10.1998, situação não desconstituída, até o momento, por nenhuma decisão judicial. Segunda, afigura-se impossível a revisão do lançamento no ano de 2003, ao argumento de que o imóvel em 1998 teve os dados cadastrais alterados em função do Projeto de Recadastramento Predial, depois de quitada a obrigação tributária no vencimento e dentro do exercício de 1998, pelo contribuinte, por ofensa ao disposto nos artigos 145 e 149, do Código Tribunal Nacional.

Considerando que a revisão do lançamento não se deu por erro de fato, mas, por erro de direito, visto que o recadastramento no imóvel foi posterior ao primeiro lançamento no ano de 1998, tendo baseado em dados corretos constantes do cadastro de imóveis do Município, estando o contribuinte notificado e tendo quitado, tempestivamente, o tributo, não se verifica justa causa para a pretensa cobrança de diferença referente a esse exercício”.

  1. Consectariamente, verifica-se que o lançamento original reportou-se à área menor do imóvel objeto da tributação, por desconhecimento de sua real metragem, o que ensejou a posterior retificação dos dados cadastrais (e não o recadastramento do imóvel), hipótese que se enquadra no disposto no inciso VIII, do artigo 149, do Codex Tributário, razão pela qual se impõe a reforma do acórdão regional, ante a higidez da revisão do lançamento tributário.
  2. Recurso especial provido. Acórdão submetido ao regime do artigo 543-C, do CPC, e da Resolução STJ 08/2008. (Superior Tribunal de Justiça, Recurso Especial nº 1130545, DJe 22/02/2011).

[15] O Regimento Interno do CARF, veiculado pela Portaria MF nº 343/2015, define tal obrigatória reprodução:

Art. 62-A (…) § 2º As decisões definitivas de mérito, proferidas pelo Supremo Tribunal Federal e pelo Superior Tribunal de Justiça em matéria infraconstitucional, na sistemática dos arts. 543-B e 543-C da Lei nº 5.869, de 1973, ou dos arts. 1.036 a 1.041 da Lei nº 13.105, de 2015 – Código de Processo Civil, deverão ser reproduzidas pelos conselheiros no julgamento dos recursos no âmbito do CARF. (Redação dada pela Portaria MF nº 152, de 2016) .

[16] Consta da ementa deste acórdão:

LANÇAMENTO TRIBUTÁRIO. REVISÃO. ERRO DE FATO. FATO NÃO CONHECIDO OU NÃO PROVADO POR OCASIÃO DO LANÇAMENTO ANTERIOR. IMPRECISÕES NA APURAÇÃO DA

BASE DE CÁLCULO. É pacífico na doutrina e jurisprudência que o erro de fato é passível de revisão, conforme as circunstâncias taxativamente elencadas no art. 149 do CTN. Aqueles erros que se referem a eventual erro, imprecisão ou omissão da autoridade lançadora encontram-se previstos nos incisos VIII e IX. As imprecisões quanto ao cômputo da base de cálculo ou apuração dos impostos incidentes representam fato não conhecido, para efeito da citada disposição legal. O que resta afastado das disposições do inciso VIII, em verdade, é a revaloração jurídica de fatos conhecidos à época do lançamento, na ocasião relevados, o que representaria efetiva mudança de critério jurídico, expressamente vedado conforme disposições do art. 146 do CTN.

[17] Colaciona-se trecho a seguir da ementa do citado julgamento:

“LANÇAMENTO TRIBUTÁRIO. ALTERAÇÃO DE CRITÉRIO JURÍDICO. ERRO DE DIREITO. ARTIGO 146 DO CTN. IMPOSSIBILIDADE.

Pela comparação entre os fundamentos originais da autuação e os fundamentos utilizados pela autoridade fiscal quando da apresentação do relatório de diligência efetuada no decorrer do processo administrativo, constata-se existir inequívoca alteração dos fundamentos do lançamento tributário.

Delimitando o que seria passível de mudança no âmbito do lançamento tributário, a doutrina é uníssona no sentido de que o erro da autoridade fiscal que justifica a alteração do ato de lançamento é apenas o erro de fato, e não o erro de direito. Assim, é certo que quando o aplicador do Direito vê no mesmo fato características que antes não foram relevantes para a interpretação a seu respeito, levando a uma nova valoração jurídica desse mesmo fato, estar-se-á direito do erro de direito e, portanto, da limitação imposta pelo artigo 146 do CTN.”

Cristiane CostaCristiane Costa é advogada da área tributária da Thomazinho, Monteiro, Bellangero e Jorge Sociedade de Advogados, graduada na Universidade de São Paulo e mestre em Direito Tributário pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo – PUC/SP.