A Inteligência Artificial, ou “IA”, tem sido aplicada na busca de soluções de questões, muitas das vezes, bastante complexas e que exigem uma boa dose de ponderação, bom senso e muito discernimento daqueles que a utilizam ou criam.

A INTELIGÊNCIA ARTIFICIAL E A NECESSIDADE DE UM FRAMEWORK REGULATÓRIO EQUILIBRADO

Mas afinal de contas, o que de fato é a IA?

A IA é o processo de “aprendizado” das máquinas (computadores e dispositivos) pela experiência, ajustes e inputs de dados, informações e análise de tarefas e procedimentos previamente desempenhadas pelos seres-humanos. É um campo da ciência da computação dedicado a simular o comportamento inteligente em máquinas, podendo englobar questões de definição de decisões automatizadas e o desenvolvimento do chamado Machine Learning – ML[1].

É inegável que se trata de um tema que vem chamando atenção e ganhando cada vez mais relevância em nosso cotidiano. O surgimento de inúmeros negócios, cujo grande diferencial é a aplicação da IA, seja como a própria atividade em si ou como meio de suporte a modelos de negócio disruptivos, tem sido a tônica do mercado de inovação e startups nos últimos anos.

Para citar apenas alguns exemplos, a IA vem sendo aplicada em questões de alta relevância, como a evolução no processo de diagnóstico e cura de doenças como o câncer, o desenvolvimento de veículos autônomos, a aplicação de modelos estatísticos e preditivos na elaboração de políticas públicas e o lançamento de produtos conectados e inteligentes, que estão movimentando o mercado e as instituições ultimamente.

As chamadas empresas “TECHS”, seja qual for o ramo de atuação, como financeiro, saúde, transporte, educação, agro, direito, entre outras, têm atraído a maioria dos investimentos da indústria de capital de risco[2], todos em busca do próximo “Unicórnio”[3].

Empreender nos dias de hoje, com um certo grau de destaque e que possa atrair os principais investidores para que apoie determinada ideia ou modelo de negócio, deve apresentar algum diferencial competitivo. E esse diferencial, quase sempre, tem se apoiado em alguma inovação ou solução tecnológica, com possibilidade de ganho de escala e/ou diluição dos custos.

Os seus benefícios e a possibilidade de geração de valor por modelos jamais vistos anteriormente, ou pouco explorados, têm gerado o equivalente a uma nova espécie de “corrida pelo ouro”, como ocorreu em tempos remotos. A construção do “algoritmo perfeito” tem sido a menina dos olhos tanto de empreendedores quanto de investidores em busca do pote dourado no final do arco-íris.

Todavia, não são apenas flores no “maravilhoso mundo” da IA.

A aplicação das suas funcionalidades e soluções, não raras as vezes, esbarra em dilemas éticos e morais, andando no limiar do que poderia ser considerado lícito ou não. Assim como toda novidade e/ou inovação, a sua aplicação pode sofrer vieses (no caso da IA isso é evidente), podendo gerar distorções e devendo ser questionadas e debatidas, especialmente na construção dos seus marcos legais.

Como um exemplo, podemos citar a opinião de Bill Gates, um dos ícones da tecnologia há décadas e que não demonstra tanto entusiasmo quanto à questão da aplicação da IA no desenvolvimento de veículos autônomos.

Gates entende que a complexidade das responsabilidades e dilemas a serem resolvidas pela IA na construção de veículos autônomos é tão grande que não deveria ser o foco das Big Techs em um primeiro momento no desenvolvimento das aplicações e funcionalidade da IA.

O MIT, por meio do seu MediaLab, disponibiliza uma plataforma chamada Moral Machine, onde os usuários podem navegar e fazer avaliações quanto aos dilemas morais na aplicação da IA no desenvolvimento de veículos autônomos. A plataforma, além de divertida, nos leva a refletir sobre pontos que são fundamentais na elaboração de um algoritmo ético.

Nesse sentido, já não é de agora que a União Europeia debate acerca da estruturação de um framework regulatório para uso e aplicação da IA de forma mais ética e alinhada à proteção de alguns valores e princípios fundamentais.

Também não é diferente em outras partes do planeta, dentre elas o Brasil, que também tem o seu projeto de lei[4] em trâmite perante o Congresso Nacional desde fevereiro deste ano, também alinhado a um caráter regulatório mais ético e visando a proteção de direitos fundamentais, como a proteção de dados pessoais, por exemplo.

Nessa linha, a própria Lei Geral de Proteção de Dados Pessoais – LGPD[5], em seu Artigo 20, prevê, como um dos direitos dos titulares de dados pessoais, o direito à revisão de decisões automatizadas em relação ao tratamento de seus dados que possam afetar seus interesses, como a elaboração de perfis pessoais, profissionais, de consumo, concessão de crédito e aspectos de personalidade.

A LGPD prevê o dever de informação acerca dos procedimentos de automação dessas decisões, sob pena dos agentes de tratamento sofrerem auditorias e sanções aplicáveis pela Autoridade Nacional de Proteção de Dados Pessoais – ANPD, no caso de constatação de decisões discriminatórias, por exemplo.

Ainda não se sabe ao certo como esse direito e fiscalização se darão na prática, mas já serve como um norte de como o arcabouço legal regulatório relacionado a essa temática deverá ser conduzida de agora em diante.

Não é difícil concluir, portanto, que as iniciativas regulatórias devam perseguir, fundamentalmente, um equilíbrio entre a viabilidade do desenvolvimento tecnológico e incentivo à inovação em relação à proteção dos direitos fundamentais.

Uma não deve barrar ou prejudicar a outra. É muito importante encontrar as sinergias existentes, a fim de que possamos construir um ambiente mais seguro juridicamente, seja sob o ponto de vista do desenvolvimento do ecossistema do empreendedorismo tecnológico alinhado à uma sociedade mais protegida e consciente em relação aos seus direitos fundamentais.

[1] https://iapp.org/resources/article/artificial-intelligence-3/

[2] Investimento Anjo; Seed Capital; Venture Capital; e Private Equity.

[3] “Unicórnio” é como tem sido chamada as empresas que atingem o valor de 01 bilhão de dólares em avaliação de mercado (valuation).

[4] PL 21/20: https://www.camara.leg.br/proposicoesWeb/prop_mostrarintegra?codteor=1853928

[5] Lei Federal 13.709/2018

Marcello Junqueira Franco Cunha é graduado em Direito pela Universidade Presbiteriana Mackenzie em 2003. Especializado em Finanças pelo INSPER (2013). LL.M em Direito Societário pelo INSPER (2007-2009). Especializado em Direito dos Contratos pelo CEU Law School (2004-2006).