O Código Civil, em seu artigo 406, dispõe sobre a incidência dos juros moratórios cabíveis nas obrigações pecuniárias, cuja aplicação deve ocorrer conforme a hipótese cabível, quais sejam ou a convenção das partes num determinado contrato, ou a proveniente de lei especial, e, na falta de uma delas aplica-se a taxa estabelecida para a mora do pagamento dos impostos devidos à Fazenda Nacional, a conhecida taxa Selic.

A questão, portanto, que se pretende analisar é a relativa à taxa de juros que deve ser aplicada, mormente considerando o já citado artigo 406 do Código Civil.
O tema ganhou, recentemente, uma certa repercussão no meio jurídico, em virtude do patamar em que se encontra a taxa Selic (2% ao ano), o que acabou trazendo razoável interesse no julgamento de um caso em curso no Superior Tribunal de Justiça onde existe a possibilidade de se rediscutir o tema e quiçá pacificar o entendimento contrário ao inserto no referido artigo 406 do Código Civil.
O Superior Tribunal de Justiça já havia decidido anteriormente (REsp 727842) que a taxa prevista no artigo 406 é a Selic, taxa que engloba juros moratórios e correção monetária. O que se pretende é a alteração do entendimento do referido Tribunal (REsp 1.081.149) com a sugestão de que seja substituída, a taxa Selic utilizada atualmente, pelo índice da correção monetária e dos juros de 1% ao mês, estes nos termos do artigo 161, § 1º, do Código Tributário Nacional (CTN). Em suma, a ideia é elaborar o cálculo utilizando os índices da correção monetária e dos juros de forma a possibilitar momentos diferentes como base de incidência.
O Relator do Recurso Especial que analisa o assunto, o Ministro Luís Felipe Salomão, consigna em seu voto que a aplicação da taxa Selic se torna impraticável quando os juros moratórios fluem a partir do evento danoso e a correção monetária em momento posterior. Aduz que para as dívidas civis o melhor critério a ser utilizado é o índice oficial da correção monetária praticada pelos Tribunais locais e a taxa de juros de 1% ao mês, nos termos do já citado artigo 161, § 1º, do CTN.
Na esteira dessa decisão, o voto do Ministro João Otávio de Noronha realça os casos em que a indenização por danos morais, por exemplo, atende, de forma adequada, ao objetivo de harmonizar a jurisprudência do STJ e merece ser prestigiada, acentuando que como os juros moratórios e a correção monetária têm sua fixação aplicada em momentos distintos, não é possível a utilização de índice único que represente as duas verbas.
Nesse contexto, além das ponderações dos Julgadores, há de se considerar, também, que a correção monetária e os juros moratórios têm o condão de atualizar a dívida e recompô-la de forma que restaure o poder aquisitivo da moeda, motivo pelo qual a discussão é bastante saudável, principalmente porque se verifica que o Tribunal está atento às mudanças sociais, dando dinamicidade e maleabilidade ao direito, muitas vezes modificando o entendimento dos temas já consagrados.
Dessa forma, independentemente da solução que o STF venha a dar ao tema, no caso comentado, nota-se que os Julgadores estão atentos ao fato de que é importante preservar o poder aquisitivo da moeda e principalmente evitar eventuais estímulos à procrastinação dos processos que possam favorecer devedores de má-fé, que se apegam ao texto legal em detrimento dos credores.
Finalizando a questão, vale ressaltar que a tese do Ministro Relator do caso sub judice é a de que a taxa em vigor para a correção de dívidas da Fazenda Nacional é a Selic, mas a sua aplicação em dívidas civis não constitui diretriz peremptória incontornável prevista no Código Civil, sendo apenas um parâmetro a ser adotado na falta de outro específico. Esse conceito demonstra a possibilidade de modificação.
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E. Ideli Silva é Graduada pela Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo, especializada em Direito Privado, Direito Processual Civil e Direito de Família.