Como já amplamente divulgado, o Supremo Tribunal Federal (STF), em sua última sessão de julgamento de 2020, decidiu que a TR (taxa referencial) é um índice de correção inconstitucional e, portanto, não deve ser considerado para fins de atualização monetária dos débitos trabalhistas, convergindo o entendimento exposto no caso de correção dos débitos da Fazenda Pública (precatórios).

Não incide IR sobre juros de mora pelo atraso no pagamento de remuneração
Dessa forma, o disposto no art. 39, caput, da Lei 8.177/1991, assim como na nova redação dada pela Lei 13.467/2017 ao art. 897, §7º, da CLT que expressamente previam a aplicação da TR na seara trabalhista, não devem mais ser aplicados.

Entretanto, na mesma decisão acima mencionada, o STF também expôs que o IPCA-e (Índice Nacional de Preços ao Consumidor Amplo Especial) não deve ser o único índice de atualização sobre os débitos trabalhistas (como, até então, vinham decidindo diversos juízes trabalhistas com fundamento no julgamento do ArgInc-479- 60.2011.5.04.0231 pelo Tribunal Superior do Trabalho – TST).

Assim, o STF modulou os efeitos da sua decisão, fixando o IPCA-e na fase “pré-judicial” (a partir de quando obrigação se tornou devida até a notificação da parte reclamada) e a taxa Selic para a fase “judicial” (a partir da notificação da reclamada até a data do efetivo pagamento do débito trabalhista), com fundamento no artigo 406 do Código Civil.

Essa modulação do STF também se aplica para os casos que, mesmo em fase de execução, não tenham expressamente fixado o índice de correção monetária aplicável ao processo, assim como, para todos os aqueles casos sobrestados que aguardam julgamento.

Notório que essa decisão gerou inúmeras discussões na seara trabalhista, pois, como sabido, a taxa Selic, além de ser um índice de correção monetária, já inclui juros de mora, apesar de, na atualidade, não ser uma taxa economicamente interessante para correção de créditos no mercado financeiro. Neste mês, segundo a expectativa dos economistas, é que a taxa básica de juros do Brasil (taxa Selic), para o ano de 2021, será de até 4%.

Ocorre que, nas ações trabalhistas, de acordo com o artigo 883 da CLT e com o artigo 39, §1º, da Lei 8.177/1991, os juros de mora são à razão de 1% ao mês e devidos desde o ajuizamento da ação (e não da notificação da reclamada, como afirmou o STF).

Apesar da decisão do STF ter efeito vinculante em relação ao Poder Judiciário e à Administração Pública (art. 28 da Lei 9.868/1999), muitos julgados trabalhistas estão aplicando de forma distorcida a decisão do STF, pois, além de aplicar a taxa Selic, acrescentam também os juros de mora de 1% ao mês, violando não apenas a decisão do STF como também o disposto na Súmula 121 do STF, que veda juros sobre juros no direito brasileiro.

O entendimento desses julgados trabalhistas gerou a Reclamação Constitucional nº 46.023 analisada, neste mês, pelo Ministro Alexandre de Moraes que entendeu que a determinação conjunta de pagamento de juros de mora de 1% ao mês além da atualização monetária pela taxa Selic implica em violação ao quanto já decidido pelo STF.

Portanto, mesmo que a decisão do STF ocorrida no final do ano de 2020 não tenha expressamente analisado a constitucionalidade do art. 883 da CLT, não há como concluir pela inclusão de juros de mora nos débitos trabalhistas atualizados pela taxa Selic, já que inquestionável que referida taxa já possui juros de mora em sua composição.

Destarte, ainda que alguns juristas e magistrados entendam que a taxa Selic não serve como índice de recomposição da perda financeira do credor trabalhista, não compete à Justiça do Trabalho por meio de “construções principiológicas” descumprir a decisão proferida pelo STF, gerando inúmeras reclamações constitucionais pelo descumprimento de decisão com efeito vinculante e insegurança jurídica no âmbito laboral.

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Cristina Felicio Drummond de Castro FranchiCristina Felicio Drummond de Castro Franchi é graduada pela Universidade Presbiteriana Mackenzie, Pós-Graduada em Direito e Processo do Trabalho pela Universidade Presbiteriana Mackenzie, inscrita na Ordem dos Advogados do Brasil desde 2003. Foi professora Titular de Direito e Processo do Trabalho na Universidade Santo André – UniA (2005-2007).