Vivemos em uma era em que o avanço da tecnologia somado ao amplo acesso à internet revolucionaram as formas de reprodução de mídia e a comunicação entre as pessoas.

Com o advento das redes sociais, disponibilizaram-se a seus usuários “janelas” e “murais” para, quem quiser, gritar a sua corrente de amigos, toda e qualquer opinião sobre determinado ponto. As redes sociais, desta forma, tornaram-se uma ferramenta para unificar seu grupo social de modo a mantê-los acessíveis 24 horas por dia, independente da distância de cada um de seus integrantes. O que antes era difícil ou quase impossível fazer, tornou-se simples e parte de nossas vidas.

Porém, se por um lado o acesso e a disponibilização desta imensa quantidade de informações beneficiam o usuário em manter-se cada vez mais atualizado e por dentro dos eventos do dia-a-dia, é certo que, diante da enxurrada de informes e incomensurável quantidade de suas fontes, a internet também se tornou antro de conteúdo malicioso, eis que não é habito da população certificar-se sobre a veracidade ou qualidade da informação compartilhada. Refiro-me às notícias falsas (fake news).

Mas no que isto acarreta? O que uma notícia falsa ou boato é capaz de gerar à população?

As fake news são (há muito) presentes na vida das pessoas e, em decorrência da massiva expansão do acesso aos meios de comunicação, elas ganham cada dia mais uma propagação maior. Sustentando-se primordialmente pelo interesse e pela grande demanda de informações sobre determinado tema, as fontes de conteúdo – maliciosamente – plantam informações equivocadas, inverídicas e sensacionalistas que se aderem à corrente habitual de compartilhamento para influenciar a grande massa de seus usuários.

O cidadão, por sua vez, impactado pela notícia falsa e, vendo alguém de seu círculo a compartilhando, deduz que a referida notícia possa ser verdadeira, absorvendo a informação contida nela e propagando-a eu sua rede. Trata-se de um ato em cadeia capaz de atingir milhares de usuários em poucas horas. Porém, ao contrário da impressionante velocidade de propagação desta notícia, eventual correção, errata ou esclarecimento da mesma não é compartilhada pelos mesmos usuários impactados com a informação inverídica.

Não obstante a propagação de notícias falsas com relação a atos e pessoas públicas visando o interesse político de determinada estirpe, tais notícias podem ser veiculadas por particulares e tomam igual proporção as matérias que envolvem suposto “interesse público”.

Pois bem. Diante dos recentes escândalos ocorridos com a maior rede social da atualidade (facebook) [1] sobre manipulação de seus usuários e a probabilidade de manipular, inclusive, a eleição de um presidente, as notícias falsas e boatos possuem igual poder de persuasão. Por esta razão, existem nos dias de hoje ao menos quatro projetos de lei que visam criminalizar especificamente a divulgação de notificas falsas pela internet e outros meios [2], apesar de já existirem crimes que o abranjam (calúnia, difamação e injúria).

Contudo, com relação à responsabilidade civil, a divulgação de notícias falsas já se encontra amparada pelo ordenamento jurídico, ainda que genericamente. Desta forma, não obstante o autor ou divulgador da referida notícia possa ser penalizado criminalmente por sua conduta, é possível responsabiliza-lo a corrigir o ato tomado e, inclusive, por eventuais prejuízos que seu ato o tenha causado.

O Código Civil estabelece a ocorrência de ato ilícito por quem, em omissão ou ação voluntária, negligentemente ou imprudentemente violar direito de outrem.

Em outras palavras, aquele que, intencionalmente ou por negligência/imprudência divulgar notícia falsa/incorreta sobre determinada pessoa a ponto de lhe causar danos materiais ou morais, será obrigado a repará-lo.

Ressalvadas as garantias de liberdade de expressão e dever de um canal de notícias informar o público sobre determinado tema, a veiculação de notícia falsa negligentemente disseminada sem qualquer cautela para apuração de sua veracidade ou intencionalmente propagada com o fito de prejudicar uma certa pessoa ou grupo é passível de responsabilização por eventuais prejuízos materiais e morais que o causar.

Adverte-se, porém, que a ferramenta utilizada para disseminar referida notícia não possui, primordialmente, responsabilidade alguma em seu mau uso. Se o autor da notícia falsa se serviu de tal ferramenta (rede social, website, fórum de discussão, etc) para impactar maior quantidade de pessoas, o provedor da ferramenta não guarda qualquer relação com o ofensor.

Desta forma, a responsabilização do provedor da ferramenta recairia apenas no controle da propagação da notícia, excluindo-a de seu canal para evitar maiores danos e impacto. O provedor da ferramenta serviria também para disponibilizar ao ofendido as informações necessárias para possibilitar o rastreamento do autor ofensor a fim de individualizar o causador do dano sofrido.

É importante reconhecer, neste sentido, que eventual resistência de acatar ordens de exclusão da notícia falsa ou disponibilização de dados para localização do ofensor são passíveis de responsabilização inclusive pelos danos decorrentes do ato do ofensor. Em outras palavras, é dever do provedor da ferramenta/canal utilizado na propagação da notícia falsa aquiescer às ordens judiciais a fim de se permitir a efetivação da justiça.

Neste sentido, ainda que determinado grupo – independentemente de seu tamanho por número de pessoas – seja impactado pela notícia falsa e, se o constrangimento enfrentado pelo ofendido ultrapassar o conceito abstrato de mero dissabor cotidiano em seu meio social a ponto de atingir uma situação vexatória, resta comprovado o ato ilícito praticado, obrigando-se o ofensor a corrigi-los nos termos da lei.

É importante lembrar que se entende por ofensor a pessoa causadora do dano em questão e não o veículo utilizado para tanto. Desta forma, resta evidente que o responsável pela propagação da notícia falsa não seria, em tese, a plataforma ou meio de comunicação utilizada, salvo se tal plataforma possuir também alguma participação ou comprovado interesse nesta transmissão de informações.

Em conclusão, a transmissão de notícia falsa ou boato na internet e a conduta em fazê-la são reconhecidas no mundo jurídico e podem trazer consequências como o reconhecimento de prática de ato ilícito. Ainda que seja difícil, mecanicamente, apurar o(s) verdadeiro(s) propagadores da notícia falsa, o direito socorre ao usuário para obtenção de tais informações através de rastreamento dos dados pessoais do usuário cadastrado em determinada rede social, tornando plausível a sua identificação e possibilitando atribuir-lhe a responsabilização por este ato ilícito.

Assim, não é dever apenas de quem gerou a informação verificar com precisão o que propaga, mas o cidadão possui igual dever de chegar a fonte e analisar o conteúdo da notícia antes de retransmiti-la em sua rede sob pena de, também, ser responsabilizado pela divulgação de notícia falsa.

 

[1] https://g1.globo.com/economia/tecnologia/noticia/facebook-eleva-para-87-milhoes-o-n-de-usuarios-que-tiveram-dados-explorados-pela-cambridge-analytica.ghtml

[2] Projetos de lei nºs 473/2017, 9812/2017, 8592/2017 e 9647/2018, de relatoria do senador Ciro Nogueira e Deputados Luiz Carlos Hauly, Jorge Côrte Real e Heuler Cruvinel, respectivamente.

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Igor Daniel Petters DuarteIgor Daniel Petters Duarte é advogado da área de contencioso cível da Thomazinho, Monteiro, Bellangero e Jorge Sociedade de Advogados e pós-graduando em direito processual civil pela PUC-SP.